Borboletando

segunda-feira, novembro 26, 2012 0 comentários


 Borboleta e rosto de Hercilia Block: arte de Lúcia Nóbrega





por  Flor de Lis (Lis Celma Arantes)

 lis.celma@gmail.com


O dia amanheceu lindo, Céu azul sem nuvens. O sol brilha bem na linha do horizonte, quando saio de casa para o trabalho. Penso: que lindo dia para passear, andar à-toa, fazer nada na rua, no parque, no jardim e cá estou eu, rigorosamente indo trabalhar.

Trabalho, mas não gosto. Trabalho pelo dinheiro do qual preciso para custear meus prazeres. Não trabalho por esporte, nem prazer, nem vocação e muito menos por ideologia. Não há ideologia alguma em passar o dia socada numa sala de subsolo, sentada  numa cadeira de rodinhas, na frente de um computador e falando e pensando e escrevendo e digitando números,  sempre números, valores, datas, quem, quando, quantos, quanto, ah!

Queria mesmo era sair de casa nesta tal manhã  e andar por aí, feito uma borboleta, se é que borboleta  sai andando por aí. Bem, vou refazer a frase: Queria mesmo era sair de casa nesta tal manhã borboletando feito uma borboleta, é claro! Mas trabalhar é preciso. Durante a viagem vou selecionando os lugares onde eu-borboleta pousaria. A estrada que uso passa por cima (sobre a ponte, óbvio), de um riachinho que quase desaparece na época mais seca do ano. Quando caem as primeiras chuvas, a água se avoluma e cobre as pedras do seu leito e às margens, surgem mil florezinhas amarelas e milhares de borboletinhas também amarelas. Da janela do carro, observo por breve espaço de tempo estas imagens e que pelo horário, está contra o sol. Essa mistura de sol, água, flores e borboletas é inacreditavelmente bela e prazerosa, porém, efêmera, pois o carro passa acelerado por ali.

A viagem segue e passamos por um condomínio residencial cercado de buganvilhas de todas as cores, tão juntas e misturadas que se tem a impressão que são várias árvores que possuem flores de todas as cores nelas mesmas. É uma cerca linda, nunca deixo de olhar quando passo por ela.

Mais à frente,  há uma brecha entre as chácaras que me permite avistar o horizonte a quilômetros de distância e abaixo dele, uma depressão no relevo forma  um vale belíssimo, suavemente enfumaçado pela neblina que se forma ao amanhecer. Avistam-se umas casinhas aqui, outras lá, algumas chaminés fumegando, uns pontinhos brancos no meio da vegetação,  que julgo serem um rebanho de nelore pastando. Chego a sentir o cheiro  de fogão à lenha misturado com o cheiro da bosta de vaca e entro numa espécie de transe e o meu espírito volta instantaneamente à minha mais tenra idade quando morava na Fazenda São Tomé. Esse momento é muito intenso, carregado de lembranças e emoções, porém, efêmero.

À medida  que o carro avança em direção à rodovia principal, essas coisinhas vão ficando para trás e às quais digo “até amanhã”. Como sei que por um longo trecho da rodovia não há nada de interessante para ver, abro o livro que tenho nas mãos e leio até quase o final do Park Way, no ponto em que começa o declive da chegada ao Plano Piloto. Desse ponto avistam-se, em linha reta,  a rodoviária nova, a Candangolândia grudada no Zoológico, o Park Shopping, e o Sia; à minha direita,  parte da Asa sul, a belíssima ponte JK e um pedaço de água do Lago Paranoá; à esquerda, o Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo e Guará. Esta visão também é passageira, pois o declive é acentuado e o carro está a 80 Km/h (vou inventar que o motorista, dono do carro, obedeça ao limite de velocidade da via) e rapidamente atinge-se o ponto mais baixo perdendo-se a visão do horizonte.

Chego ao trabalho, para enfim, começar o dia como gente normal e não como gente-borboleta. Por que esses momentos de intensa beleza e prazer são tão curtos e o expediente de trabalho é tão longo?





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